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A chance de encontrar alguém no mundo que abrace e esteja disposto a entender quem somos parece ser mínima. A vida se desenrola em tanto nós, os sonhos se perdem neles, tornam-se retas paralelas, nunca se cruzam com a realidade por vezes massacrante.
Chove, faz sol, mudam as estações e tudo parece ser uma imagem mal elaborada de uma vida que outrora sonhamos. Transformamos sonhos em mercadoria e talvez não saibamos como sonhar de outra forma. Os sentidos ficam pelo caminho até tudo ser simples e automático. Não precisamos questionar porque fazemos o que fazemos. Precisamos fazer e isso deve bastar. Mas não basta. Não é o suficiente.
Aquietar o que nos angústia é difícil, mais difícil ainda em solidão (uma desconexão com que nos cerca). Viver é difícil, confiar nas pessoas, tão cheias de si e de tudo que as cerca, é difícil.
Amamos o desejo de amar ou amamos aquela pessoa que se apresenta vulnerável a nós, humana, cujas experiências de vida nos são diferentes?
Após batalhas internas podemos ser inteiramente verdadeiros: eu tenho falhas, eu sei que vou errar com você, eu já errei muito comigo mesma, eu preciso de você, eu quero que você abrace as minhas dores e mesmo que não entenda, respeite. Eu quero que você me ouça como um músico ouve as notas musicais que o cerca, como um escritor ouve a caneta quando ela chama.
Será que entendemos que unidades de medida não cabem na equação de um mundo que colide com outro?
Podemos nos render facilmente a tudo que nos destrói, é familiar ao ponto de ser confortável. Ainda que não tenhamos essa consciência somos vulneráveis o tempo inteiro, mas tentamos nos proteger da melhor forma que conseguimos. Sucumbir aquilo que nos torna vulneráveis e aceitar essa vulnerabilidade dá uma sensação de que somos fracos, alvos fáceis de enganar só por dizermos o que sentimos.
O tempo inteiro nos dizem: seja forte, não chore, compre pra esquecer, compre para ser feliz, use entorpecentes a vontade, se desconecte da realidade, 5 passos para ser feliz, 5 dicas para encontrar sua alma gêmea, seu corpo do jeito que está não dá, cirurgias, harmonização, dieta. Ordens que delimitam caminhos tortuosos de uma vida sem humanidade, sem espaço para o sofrimento, sem espaço para entendermos o que sentimos porque não dá tempo diante de tantas demandas ou porque ficamos paralisados, sem energia para lidar com nós mesmos. Isso em uma escala que afeta a todos implica em relações frágeis.
Se não temos tempo para entender quem somos, o que queremos, o que almejamos, teremos tempo para abraçar o outro com suas imperfeições?
A chance de encontrar alguém no mundo que abrace e esteja disposto a entender quem somos é mínima.